quarta-feira, 28 de maio de 2014

Invencível

       A noite gélida caía debaixo do cobertor cálido. Era como se seu calor agora exalasse frio. Ao lado, o celular que vibrava, mas já não o importava toda aquela contrariedade que o expunha, como se estivesse, ali mesmo, pronto a ser abatido. Poderia ser um homem de gelo, pois transformara todo aquele calor reconfortante em neblina. Porém se tornara tão hábil em lidar com o calor do momento que muitos poderiam pensar ser uma tocha acesa de fogo contido, mas pronto para explodir uma coisa qualquer.
   Ele pensava: "Como toda aquela energia de destruição poderia poderia ser revertida em construção?"Antes era necessário parar todo o caos instaurado, arrancar forças daquela ira que o dominava naquele instante e usar aquele escudo intransponível que somente ele poderia tecer como redes, de onde ele poderia enxergar todos, sem os ver ou ser percebido. Em dado momento poderia ser tomado pelo medo, e quando este viesse, se esconderia… dentro de sua armadura predileta, o cérebro, que poderia derrotar qualquer força hostil que se aproximasse o suficiente para sentir as lâminas frias que partiam do seu olhar e cortava as más intenções que o cercavam.
       Dessa forma, parecia ter visão em raio-x ou uma velocidade sobre-humana que permitisse prever cada movimentação dos sentimentos que a todo o tempo se deixava atingir. Mas eles não poderiam ser evitados, ainda que fosse de aço ou ferro, mas era simplesmente do mais puro coração. Nem sua imaginação espetacularmente criativa poderia lhe dar fator algum de regeneração, porém, o que ele tinha era uma certeza que de tanto o ter, morreu sem saber.

Por Carlos Fernando Rodrigues  S.S.D.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Os medos sobre a mesa

       O sol nascia por detrás das montanhas. Aquela luz alaranjada e forte que extinguia a última camada de céu azulado estava atrasada. Seus pés já haviam caminhado incontáveis horas. Os dias, estes primeiros, eram longos, longe demais de onde o mundo se passava. A mochila, agora única companheira, não pesava o suficiente para impedi-lo. A apelidara de Jeremias. Pareciam ter saído do mesmo lugar, sempre juntos. E assim se despedia a última estrela na alvorada tardia daquela estrada de muitas histórias e poucos anos.
       A paisagem era desértica, cortada por rajadas de ventos gélidos que faziam absoluta questão de penetrar cada fresta nas mangas e na barra de sua jaqueta. O sol se esforçava para aquecê-lo, tão inutilmente que não fazia valer toda aquela luz. A estrada jamais conseguiria imobilizá-lo. Lhe apresentara agora um casebre de madeira velha e puída. O vidro quebrado na janela não lhe oferecia a visão que desejava. aceitou o convite da rangedeira porta, e foi ao hall, escuro e empoeirado. A dor no tornozelo se tornou instantaneamente flamejante e hostil. A cascavel, a tarântula e o escorpião.
       Era noite densa. A jaqueta e a mochila permaneciam o acompanhando. A estrada se consumira, caminhava no nada. Tal nada era azul e profundo, aconchegante. Se confundiria com o céu não fosse a falta das estrelas. Todo aquele nada bastava, e como na estrada, ele ainda estava bem.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Despejo

       Lá se vão minhas emoções. Móveis velhos e roídos, quebrados e gastos. Eu já não poderia arcar com essas despesas que me trazem ao toca-los. Acaba por ser melhor assim. Deixe que vão definhar e decompor essa madeira de tantas histórias em um outro lugar, onde de preferencia não liguem para isso…
      Agora se vão as paredes. Por muito tempo sonhei serem minhas peles: duras, firmes e resistentes. Vento nenhum me derrubaria e muita água passaria por mim… Não ligaria se as marcas ficassem visíveis com o tempo. O concreto seria concreto se conseguisse prender as emoções como durante todos esses anos prendeu fielmente os móveis.
       De repente já não vejo mais casa. Eu já não me vejo e a escritura está rasgada. Nada é mais meu, nem mesmo eu, que sempre pensei ser meu, sou. Coração em pedaços de pecado picados e de letras miúdas. Desabo sobre a terra com minhas emoções e minhas peles. Móveis, paredes e papel. Eu, um pedaço de terra ou de céu.

Por Carlos Fernando Rodrigues  S.S.D.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Interioridade

        - Hoje me deu vontade de escrever alguma coisa. Coisa essa, qualquer. Qualquer um poderia escrever isso. Isso é incerto. Certo como as saudades que sinto da península, dos ares, da China e da menina. Com essas saudades sou eu todo, completo, hoje. Não tenho nada planejado como eu fui. Fui, e não espero muita coisa dessas palavras, simples e sem sentido traços e rabiscos. Rabiscos e um coração alvejado, carregado por um cérebro cansado…
       - Cansaço... cedo assim?
       - Ah... sim… e já me vou, tudo bem?
       - Bem não, mas também não é mal… é racional, como sempre.
       - Sempre nunca que possível. E o impossível eu sempre quis, mas sempre passaram na minha frente… só não queria ser medíocre…
       - E é?
       - Por fora ou por mim?
       - Por você.
       - Sim.
       - E por fora?
       - Também.
       - Onde não?
       - Apenas na minha prodigiosa imaginação.
       - E existe lugar melhor?
       - Não para mim.
       - Para quem então?
       - Para o mundo.
       - Onde?
       - O concreto.
       - A realização da imaginação?
       - Não… Esse surto que alguns chamam por matéria.
       - Mas isso não seria a realização de várias imaginações diferentes?
       - Sim, mas sem harmonia.
       - E onde está essa tal harmonia?
       - Na minha… somente nela…

Por Carlos Fernando Rodrigues  S.S.D.