sexta-feira, 21 de março de 2014

Os medos sobre a mesa

       O sol nascia por detrás das montanhas. Aquela luz alaranjada e forte que extinguia a última camada de céu azulado estava atrasada. Seus pés já haviam caminhado incontáveis horas. Os dias, estes primeiros, eram longos, longe demais de onde o mundo se passava. A mochila, agora única companheira, não pesava o suficiente para impedi-lo. A apelidara de Jeremias. Pareciam ter saído do mesmo lugar, sempre juntos. E assim se despedia a última estrela na alvorada tardia daquela estrada de muitas histórias e poucos anos.
       A paisagem era desértica, cortada por rajadas de ventos gélidos que faziam absoluta questão de penetrar cada fresta nas mangas e na barra de sua jaqueta. O sol se esforçava para aquecê-lo, tão inutilmente que não fazia valer toda aquela luz. A estrada jamais conseguiria imobilizá-lo. Lhe apresentara agora um casebre de madeira velha e puída. O vidro quebrado na janela não lhe oferecia a visão que desejava. aceitou o convite da rangedeira porta, e foi ao hall, escuro e empoeirado. A dor no tornozelo se tornou instantaneamente flamejante e hostil. A cascavel, a tarântula e o escorpião.
       Era noite densa. A jaqueta e a mochila permaneciam o acompanhando. A estrada se consumira, caminhava no nada. Tal nada era azul e profundo, aconchegante. Se confundiria com o céu não fosse a falta das estrelas. Todo aquele nada bastava, e como na estrada, ele ainda estava bem.