sábado, 7 de dezembro de 2013

Um café e uma boa longa noite

      Era tarde, a chuva inundava a sombria luz crepuscular pelas janelas de vidro. A nossa volta a vida corria, escorria por dentre sonhos ignorados e vidas consumidas. Eu te olhava. No fundo dos seus olhos tentava encontrar o motivo daquele silêncio, não tão vazio quanto o burburinho a nossa volta. Me escondia atrás da xícara de café que você não quis a cada instante de hesitação. Não seria impossível nossa conversa, não fosse o medo. Infundado, infantil e invencível. Dentro da maior qualidade de casal, nosso maior defeito. Eu queria dizer, você queria responder, só não queríamos nos atacar de novo. Assim permanecemos e seguimos. Saímos para a chuva. Sentia aquela água gelada encharcando minha carne até os ossos, os carros levando cada peça do meu quebra-cabeça no vento, eu me desmontava ao seu lado. No fundo eu sei que posso me remontar quando quiser, mas por capricho ou destino, ou capricho do destino, queria que você o fizesse. Por isso deixei minha pecas fundamentais com você. Estava com você, debaixo de chuva e vento, internos e externos. Tinha ali a certeza absoluta que qualquer coisa pode passar se você estivesse do meu lado, e desejava como ninguém no mundo, que esse mesmo sentimento se apoderasse do coração da menina que me  fazia senti-lo.
      O silêncio insistia tanto quanto a memória. A vida se lia nos olhares tortos, na discussão calada e nas mãos nervosas. O diálogo entre nós não era no mesmo idioma. Eram momentos difíceis para nós, e as palavras, outrora tão companheiras, fugiam à mente com seus significados diferentes. Se escondiam nos gestos infundados e na reciprocidade de desfeitas. Pedia pra não te seguir e eu compreendia. Queria do fundo da minha alma te seguir, procurar, ir atrás mais uma vez. Minha consciência, ingênua, dizia que não. O porquê não estava claro, e inconsciente, fui. Corri, atravessei a avenida movimentada pela enxurrada atrás do seu vulto que se apresava em direção à porta e me esgueirei pelo vão antes de ela se fechar. Estava ali mais uma vez, onde antes, tantas vezes às escondidas já tinha estado. Quase como instinto, tornamos a voltar nosso olhar para o olho do outro. Agora era diferente. O hall escuro, a casa deserta e o frio lá fora. Toda a vida se resumia a nós naquele momento. Era estranho e enigmático como e porque, mas era bom. Como sempre. Era o fim de uma briga interna na qual brigávamos juntos. Aceitar era duro, mas era o que os dois estavam dispostos a enfrentar. Então fomos.
      O quarto trancado, a luz fraca e a cama quente. A chuva fustigava na janela e mais uma vez aquela conhecida sensação de estar em casa, mesmo estando apenas envolto no seu braço descoberto. A vida percorria nosso caminho e nós o dela. Talvez não fosse o melhor jeito de resolver, mas era nosso jeito. Todo sentimento bom aflorava quando estávamos ali, simplesmente vivendo um por perto do outro. Sem final surpreendente ou emocionante para os espectadores, sentíamos tudo o que nos fez estar ali naquela tarde de chuva a qual inundava a sombria luz crepuscular pelas janelas de vidro e fazia o mundo dos homens parecer banal perto daquilo que podemos alcançar.


Por Carlos Fernando Rodrigues    S.S.D.

Um comentário:

  1. Que delícia! Queria que você conhecesse uma pessoa que escreve, fotografa e cria também com a pele, com o coração. Vou tentar promover esse encontro pelo Facebook. Espero que se divirtam, como eu me diverti com seu texto. Abs! Fabi

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