quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Vida

     Um pouco mais e já estaria à beira da estrada, sem rumo, ou simplesmente, indo. Como foi um pouco menos, ainda estou aqui. Talvez não saiba até quando, mas sei bem porquê. É difícil se levantar para um dia que já nasce morto, não somente por ser domingo, mas também por ser solitário. A única mensagem recebida, provavelmente escrita com um esforço descomunal, abandonava-me. Mentiria se dissesse que por isso não esperava, mas ainda assim o sentimento era arrebatador. Tantas conversas sem fim, tantos encontros escondidos e ainda assim havia um desprezo explícito pelo que eu era capaz de fazer com o seu coração. Uma ingenuidade sem tamanho pensar que seres humanos ficam para apanhar. Não é natural. Nesse momento a mochila já estava ao pé da cama, cheia de sentimentos bons a serem semeados no desconhecido. Joguei-a sobre meu ombro e senti o peso da liberdade que me aguardava em algum lugar. Deixei três linhas de saudade para quem se interessasse.
      À porta, lembrei-me do chamado que vibrava insistentemente no bolso esquerdo da calça. Não queria que ninguém atrapalhasse esse momento. Era a minha vida que seguia comigo naquele momento. Já tinha me oferecido para colocá-la para caminhar junto, e ela não aceitara. Desprezara meu ser assim como sua capacidade. Eu estava só. Não era mais programado para ter alguém. O passado já não conseguia atingir meu ego. Agora éramos eu e a vida, somente. O mundo que nos preocupava, a cada passo firme, ficava mais distante. Aquelas pessoas ruidosas cheias de nada por falar, aquelas luzes que indicavam a escuridão, o modo automático e complexo de se viver… tudo aquilo parecia um outro planeta quando as casas rareavam, o ar mais puro invadia meus pulmões e a vida aflorava ao meu redor. Nenhuma vez no mundo poderia ter desejado companheira melhor do que ela. Era estar longe do mundo estando nele. Era como uma casa dessas de barro, chão de madeira lustrada que range, móveis antigos bem cuidados, quadros nas paredes e um grande relógio ao fundo da sala iluminado pelo sol da janela. Mas era também uma casinha de pau-a-pique, chão de terra batida e um fogão à lenha no canto. Podia ser a minha casa, a casa que eu quisesse ter.
      Em cada novo lugar, um novo destino. Já poderia ao longe vislumbrar o que me aguardava para fazer de mim um ser de casa e de passagem. A luz do sol incidia delicada sobre meus olhos, pela fresta de uma janela esquecida entreaberta. Cada grão de poeira que descia ou subia por ela poderia indicar uma pequena fragmentação de um sentimento extinto. A vida se tornava novamente a realidade excessiva e nauseante que sempre foi. Meu quarto não merecia aquele momento terrível de fim de ilusão. Meu consciente nesse momento se encontrava à alguns anos-luz de lá, e eu… Eu me encontrava em meio à selva escura e triste dos meus sonhos, como nunca antes, derrotados. Levantava-me para o mundo que não sabia de mim, nem eu dele, e ele me prendia sem compreensão de que eu não era dele, mas de mim. Mesmo que abandonado a própria sorte do meu ser inconsciente, ainda que estar assim fosse me encontrar acordado.

Por Carlos Fernando Rodrigues   S.S.D.

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