terça-feira, 15 de março de 2011

O Cego

    Mais uma monótona tarde de terça-feira se passava na minha pacata vida absolutamente desempregada de sentido. Caminhava distraídamente por uma calçada ao lado do Parque Municipal quando um baque absolutamente surdo chamou minha atenção para um pedinte encostado em um canto isolado da calçada, e apesar de todo alvoroço da urbanidade, ele também havia me notado:
    -Uma "ismola" "prum" pobre cego "pufavô sinhô"? - Disse ele.
    Naquela hora, a visão escura daquela figura mórbida sentada à sombra das árvores do parque invadiu toda minha piedade, e fazendo grande sacrifício, catei as últimas moedas que restavam no meu bolso. O "Obrigado, sinhô!" teria ficado de excelente tamanho, não fosse um sorriso estranhamente amarelo, apesar dos poucos dentes que restavam em sua boca.
     Meu dia na capital passaria despercebido de minha memória, não fosse o fato de algumas horas mais tarde quando caminhava para o ponto de ônibus em frente a Copiadora Brasileira, eu encontrar aquele cego em meio à um dos cruzamentos mais movimentados da cidade com dificuldades para atravessá-lo. Fui até ele e perguntei:
     -Precisa de ajuda senhor?
     -Não meu rapaz, o verde já vai "abrir".
     -O senhor sabe o que é verde?
     E reparando minha expressão de susto, o "cego" saiu em disparada na direção da Rua da Bahia. Por um momento tentei imaginar o que aqueles olhos verdes esbugalhados atrás dos óculos enxergavam em meio aquele cabelo desgrenhado e uma barba malfeita, mas minha cabeça se cegava pela charlatanice da surpresa cotidiana.


Por Carlos Fernando Rodrigues

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